- S. Ex.ª Haroun Ali Suleiman, Ministro de Estado junto da Presidência da República para a Constituição, Assuntos Jurídicos, Aparelho do Estado e Boa Governação, em representação de Sua Excelência Hussein Mwinyi, Presidente do Governo Revolucionário de Zanzibar,
- S. Ex.ª Solomon Ayele Dersso, Presidente da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos,
- Venerando Blaise Tchikaya, Vice-Presidente do Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos,
- Venerando Juiz Michel Adjaka, Chefe de Gabinete do Ministro da Justiça e Guardião dos Selos da República do Benim, em representação dos Estados-Membros da União Africana,
- Venerandos juízes do Tribunal Africano,
- Meritíssimos colegas juízes dos tribunais internacionais, regionais e nacionais,
- Distintos participantes,
- Minhas Senhoras e Meus Senhores,
É consenso geral que a principal razão de ser de qualquer sistema de justiça é a capacidade de fazer cumprir o desfecho de um diferendo que as partes envolvidas apresentam a um órgão competente para que decida. Reside aí a fundamentação para a máxima ubi jus, ibi remedium, que postula que onde há um direito, deve haver um recurso para justificar esse direito em caso de violação. Este importante princípio de justiça fica comprometido quando os recursos exercidos permanecerem sem efeito sobre a situação jurídica trazida para resolução. Sucede que, independentemente do sistema jurídico, do país ou das partes litigantes, é a própria legitimidade do órgão jurisdicional que fica sob ameaça sempre que uma decisão judicial é descurada. É em reconhecimento deste imperativo do Estado de direito que os legisladores da União Africana conferiram às decisões do Tribunal Africano tanto o carácter vinculativo como o carácter de força executiva, servindo-se do artigo 30.° do Protocolo relativo à criação do Tribunal. O facto de apenas 7% das decisões até agora proferidas pelo Tribunal Africano terem sido executadas é, portanto, alarmante, pois trai o objectivo prosseguido pelos Estados-Membros da União Africana quando criaram o Tribunal. É assim porque os Estados projectaram o Tribunal para servir de elo essencial rumo à consecução do projecto de integração continental contemplado pelos fundadores da União Africana.
Excelências,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Distintos convidados,
Dou-vos as boas-vindas a todos à Conferência Internacional sobre a Execução e o Impacto das Decisões do Tribunal Africano. A Conferência que inicia hoje deveria ter tido lugar há dois anos, mas foi adiada por diversas razões que não acho que seja importante recordar aqui. O que eu acho ser importante, no entanto, é que os sucessivos adiamentos fizeram com que a conferência se realizasse este ano e este mês, num momento muito oportuno da história do Tribunal Africano. De facto, esta Conferência não poderia ter sido realizada em melhor momento do que agora, altura em que o Tribunal Africano enfrenta os desafios mais importantes da sua existência. Numa altura em que celebra o seu 15.° Ano desde a sua entrada em funcionamento, apenas uma (1) em cada dez (10) das suas decisões é executada; menos de seis (6) Estados fundadores reconhecem a sua jurisdição; e apenas trinta e um (31) dos mesmos Estados reconhecem a existência funcional do Tribunal no seu todo. Este quadro não honra a África, não honra os Estados-Membros da União Africana, não honra o Tribunal Africano e não honra os africanos.
Outrossim, V. Ex.ªs concordarão comigo que, pela natureza das normas que aplica, o próprio mandato de um tribunal internacional é de facto o de fazer cumprir e harmonizar a interpretação e aplicação do direito internacional nos sistemas nacionais dos Estados-Membros que consentiram o regime particular em questão. A este respeito, é de notar que cinquenta e quatro (54) dos cinquenta e cinco (55) Estados-Membros da União Africana ratificaram a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e que praticamente todas as constituições em vigor nestes Estados-Membros reconhecem a Carta como tendo um valor normativo fundamental nas democracias constitucionais e no Estado de direito na região. Em consequência deste reconhecimento universal da Carta, a autoridade e a legitimidade do Tribunal Africano deveriam, portanto, ser quase unanimemente reconhecidas pelos Estados. Contudo, há uma resposta muito insignificante, a nível nacional, às decisões proferidas pelo Tribunal Africano, o que é outro motivo de inquietação.
As principais questões decorrentes desta tendência de desfazamento entre o Tribunal Africano e o nível nacional são múltiplas. Por exemplo, quando o Tribunal Africano profere uma decisão sobre a pena de morte, que é reconhecida como uma questão transversal na região, não seria justo os governos levar a cabo as reformas que se impõem para evitar litígios que acabariam por o Tribunal decidir contra o Estado em questão? Do mesmo modo, quando um tribunal nacional decide a questão da liberdade de expressão sobre a qual o Tribunal Africano já se pronunciou, não seria justo o juiz municipal orientar-se pela fonte de interpretação fornecida pelo Tribunal Africano, dado que a Carta Africana já faz parte do direito interno?
É evidente que, ao adoptar a Carta Africana e ao estabelecer o Tribunal Africano, o objectivo último da União Africana é precisamente o de que o Tribunal Africano actue ao mesmo tempo como fiscalizador e harmonizador da aplicação pelos actores nacionais dos princípios regionais acordados pelos Estados. Em suma, quando as decisões proferidas pelo Tribunal Africano permanecem sem efeito ou geram pouco impacto, é a própria visão da União Africana que é traída e os próprios princípios do Acto Constitutivo da União que permanecem letra morta. Na verdade, o Tribunal Africano é a principal ferramenta utilizada para avaliar a eficácia do cumprimento pelos Estados dos seus compromissos não só com os direitos humanos mas também, cada vez mais, com a democracia, a governação e o Estado de direito.
Excelências,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Sem me ater muito às questões de fundo a serem discutidas durante esta Conferência, gostaria simplesmente que nos recordássemos das principais questões que motivaram a realização desta Conferência. A questão da execução e do impacto das decisões proferidas pelos tribunais internacionais tem sido amplamente debatida. Ao reflectirmos novamente sobre o assunto, devemos, por conseguinte, procurar dar corpo a recomendações inovadoras. Somos obrigados a formular soluções que se enquadrem no contexto africano e que não ignorem as realidades sociopolíticas do continente, mesmo que a lei deva continuar a ser a nossa bússola.
Dada a qualidade e diversidade das pessoas-recurso convidadas para este certame, não me restam dúvidas de que as nossas deliberações nos conduzam a conclusões com o potencial de alterar o status quo. Gostaria de vos assegurar que, como parte da sua nova abordagem da cooperação com os Estados, o Tribunal Africano está empenhado em examinar criteriosamente as conclusões e recomendações desta Conferência por ocasião da interacção que irá manter com os Estados num futuro muito próximo sobre o mandato e o funcionamento do Tribunal no quadro da União Africana.
Com estas observações de compromisso, desejo-vos deliberações frutuosas e agradeço-vos pela amável atenção dispensada.